Deixa vir e ir!
E um novo ano começa!
O passar do tempo, das estações, das mudanças na paisagem, na luz dos dias, do frio das noites, fazem-me sempre constatar e relembrar da impermanência das coisas. Tudo o que nasce tem de morrer.
Tudo muda! A vida e o mundo são uma constante mudança. Qualquer ser vivo; objeto; projeto; ideia; pensamento; personalidade; condições económicas; situações políticas; culturas; valores e princípios morais partilham uma natureza volátil e caduca.
De mãos dadas com a impermanência está o desapego. Sei que é das aprendizagens mais importantes mas ainda é, para mim, um conceito difícil de entender e de viver. Do que leio, ouço e vejo, das aprendizagens que retiro, defino, neste momento, o desapego como o verdadeiro entendimento e aceitação do caracter transitório da vida e do mundo, que me revela a ilusão que é tentar agarrar o que quer que seja. Desapego é, para todas as coisas nesta vida, deixá-las vir e ir. E assim, quando o sol brilha desfruto do sol e quando a chuva cai desfruto da chuva.
A verdade é sempre simples, mas nem sempre é tão simples vivê-la. Refletindo sobre a dificuldade em viver o desapego, vejo que ele exige a compreensão de uma verdade muito profunda, que vai até à minha essência, à minha noção de eu. Pois desapego não é desinteresse, indiferença ou fuga. Desapego não é não precisar de ninguém ou de nada. Desapego não é não sofrer, muito embora nos poupe de muitos e desnecessários problemas e sofrimentos. Desapego é encarar a vida de frente, com toda a sua beleza e problemas. Desapego é amar, viver em plena entrega, responsabilidade, sinceridade, honestidade e fazer o que é necessário ser feito com todas as minhas forças. Mas uma vez feito, feito está! Deixo ir!
Contudo, só consigo deixar ir quando sei e vivo na compreensão de que a felicidade e a paz são intrínsecas. Quando sei e vivo na certeza inabalável do meu valor inmensurável. Quando não há qualquer dúvida ou medo sobre quem sou e o que valho. Quando sei e vivo que nada externo me define, que nada externo pode validar o meu valor, que nada externo me acrescenta ou tira valor. Só aqui, eu posso abrir mão e deixar tudo ir, pois já não me procuro nos outros, nas coisas e no mundo.
E quando eu não me procuro no outro ou em algo, dinheiro; relacionamentos; profissão; sucessos e fracassos; corpo; personalidade; condições de vida; cultura; religião; saúde ou doença; passado ou futuro; não me definem. E estou livre para aceitar este momento tal como ele se apresenta.Vivendo o agora, o melhor possível, mas não agarrando nada. Vendo e entendendo a vida de forma dinâmica e trilhando o caminho com alegria e gratidão, deixando vir e ir todas as coisas.
Rita
Texto inspirado no episódio "#259 Tudo muda: Não se apegue - Gyomay Kubose" do podcast Corvo Seco
Imagem retirada de: https://paralemdoagora.wordpress.com/2014/12/08/a-alegria-de-abrir-mao/