Silêncio

01-07-2024

Vamos começar por fazer um minuto de silêncio.

Deixa este texto de lado por um momento e em silêncio olha à tua volta. Contempla o que está à tua frente, recupera a consciência do corpo, da respiração e deixa-te ficar assim, sem fazer nada, simplesmente presente, atento apenas ao que muda e ao que aparece, durante sessenta segundos. Um… dois… três… Começamos agora!

Terminaste? Talvez consigas sentir como os contornos do mundo estão agora mais nítidos, apreciando a calma da passagem do tempo, o sabor de cada instante. A chuva a bater na janela ou dos raios de sol que passam pela cortina, a planta que floriu, o cantar do galo bem distante, o latir de um cão…

Um minuto de silêncio roubado aos nossos dias, pode ser uma lufada de ar fresco que nos faz encontrar um ritmo de vida mais lento, mais moderado, capaz de nos nutrir, equilibrar antes de regressarmos ao mundo. Mas, na nossa cultura, o silêncio não é valorizado. Não só fomos esquecendo a importância do silêncio, como fugimos dele. Porque nos é tão dificil o silêncio?

Erling Kagge descobriu que como os seus dias são passados em piloto automático, não se dá conta do caos que é a sua mente. E que só quando, por algum acaso, se desvia da rotina e dá por si em silêncio, sem nenhum objetivo, sem nada para fazer, o caos emerge. Toma consciência do frenesim de pensamentos, memórias, sentimentos e emoções. Nessas alturas o silêncio é um vazio insuportável, que o leva frequentemente a fazer não importa o quê, em vez de tentar permanecer com a sua própria pessoa. Mas também diz que "a pouco e pouco, cheguei à conclusão de que a origem de muitos dos meus problemas reside precisamente nessa luta"contra o silêncio.

Estar em silêncio, pode revelar-se ensurdecedor, perturbante, assustador. E é grande o impulso constante de recorrer a outra coisa (televisão, redes sociais, comida, bebida, etc…) para preencher este desassossego que sentimos e que está connosco desde sempre.

Pascal disse: "Todos os problemas da humanidade decorrem da incapacidade de o homem ficar tranquilamente sentado sozinho no seu quarto".

Gunilla Norris, no seu poema, afirma que o silêncio é um "ato político", que nos leva de volta ao sagrado da vida; a base para o "delicado equilíbrio que sustenta as nossas vidas, nossas comunidades e o nosso planeta".

Também Pablo Neruda escreve sobre o silêncio: "Se não podemos ser unânimes movendo tanto as nossas vidas, talvez não fazer nada uma vez, talvez um grande silêncio possa interromper esta tristeza, este não nos entendermos jamais…"

O silêncio devolve-nos ao básico, aos nossos sentidos, a nós próprios, localiza-nos. Sem essa prática de silêncio podemo-nos afastar muito da nossa verdadeira natureza, vivendo cegamente, indo sem destino neste comboio sempre em andamento que é a vida, agindo sem pensar, sem perceber o fundamental, sem alinhar a nossa viagem com os nossos valores mais profundos.

Daí que talvez fosse bom termos de vez em quando momentos de silêncio bem aborrecidos. Aquele silêncio maçador, opressivo, desconfortável e assustador. Nesses momentos, tudo o que é necessário é alguma preseverança, resistir ao impulso de preencher o vazio e permanecer nele com interesse e compaixão. Vamos assim nos abrindo a uma experiência de silêncio interior, aquele silêncio que nos permite desfrutar da felicidade de estar só, de estarmos em casa, de sermos completos. Uma experiência de sermos paz e felicidade. A felicidade que tal como define David Foster Wallace "encontra-se do outro lado de um aborrecimento aniquilador".

Rita

Bibliografia:

Kagge, Erling (2017). Silêncio na Era do Ruído. Quetzal Editores. Lisboa

Neruda, Pablo. Poema A CALLARSE. Em Poesi.as ( https://www.poesi.as/pn58005.htm). Vista em: 30/06/2024

Tannier, Kankyo (2018). A magia do silêncio. Arena PT. Lisboa

Riso, Walter (2016). Maravillosamente imperfecto, escandalosamente feliz. 2ª edicion. Editorial Planeta. Barcelona

Norris , Gunilla. Sharing Silence. Em tarabrach.com (https://www.tarabrach.com/meditation-reconnecting-to-silence-and-presence-1902-min/?cn-reloaded=1). Vista em: 30/06/3024